Os Poderes do Testamento

Te convido a acompanhar-me em um breve mergulho jurídico em um tema interessantíssimo, mas tão pouco abordado pelos brasileiros. Após a leitura, você certamente terá muito assunto em seus bate-papos com amigos e familiares.

O testamento é uma ferramenta extremamente simples e muito eficaz no planejamento sucessório. No entanto, ainda é subutilizado no Brasil.  Em 2022 foram apenas 39.374 testamentos lavrados em todo o país. Apenas 5% das sucessões abertas possuem testamento.

Algumas pessoas supõem tratar-se de um recurso apenas para “ricos”, ignorando os benefícios que pode trazer para qualquer classe social. Outros supõem que não poderão fazer alterações futuras – mas sim, podem! Podem, inclusive, revogá-lo a qualquer momento da vida. O que a maioria ignora é que até mesmo uma pessoa que não possua bens pode deixar um testamento. Sim, há muitas questões imateriais que podem ser nele abordadas, tais como o reconhecimento de uma união estável, nomeação de tutor para filhos menores, o reconhecimento de uma dívida e até mesmo de paternidade (neste último caso, irrevogável).

Outra curiosidade é que até o material genético criopreservado (óvulo, espermatozoide e embrião) pode ser objeto do chamado testamento genético. Neste caso, frise-se que o filho concebido e gerado por meio de inseminação post mortem, tem os mesmos direitos que os demais descendentes do falecido, desde que seja concebido até dois anos após a abertura da sucessão, conforme preceitua o artigo 1.800 § 4º do Código Civil.

Há ainda o testamento ético, no qual se transmite aos familiares ou outros herdeiros valores morais, espirituais, conselhos ou condutas que sirvam de reflexão a quem se destina. Aqui cabe a seguinte pergunta: se alguém a quem você ama muito falecesse e deixasse a você um conselho, orientação ou um pedido relacionado a qualquer tema, você se negaria a atendê-lo?

Como eu disse que seria um mergulho, não poderia deixar em águas rasas o chamado testamento marítimo, que é uma modalidade especial na qual a pessoa pode elaborar um testamento enquanto viaja a bordo de navio nacional em águas nacionais ou estrangeiras, fazendo-o perante o capitão (ou pessoa por ele designada), que agirá como se fosse o tabelião do cartório.

Nesse mesmo raciocínio, há também o testamento aeronáutico, facultado às pessoas que estejam em viagem nacional ou internacional, a bordo de aeronave comercial ou militar. Neste caso, podem testar perante pessoa designada pelo comandante do avião.

Nos dois últimos exemplos, pela natureza especial dos testamentos (marítimo e aeronáutico), o documento caducará se o testador não morrer na viagem ou nos primeiros noventa dias subsequentes ao seu desembarque em terra.

Seja qual for o tipo de testamento, a lei reza que 50% (cinquenta por cento) da herança será obrigatoriamente destinada aos chamados herdeiros necessários (cônjuge, ascendente, descente ou irmão). Portanto, só pode ser testada a parte disponível da herança, ou seja, os 50% (cinquenta por cento) restantes. Vale dizer que é facultado ao testador instituir condições para os beneficiários receberem os bens.

Mas, no caso de um testador cujos pais já sejam falecidos e que possua como herdeiros apenas seus irmãos, ou seja, sem cônjuge/companheiro ou filhos, poderá testar livremente a totalidade da herança. Pode até contemplar apenas um dos irmãos, caso queira.

A parte disponível pode ser deixada para pessoa da família ou não, podendo o testador, inclusive, deixá-la para uma pessoa jurídica de qualquer natureza, uma entidade filantrópica, por exemplo.

No caso de testador que tenha mais de um filho, caso queira, pode deixar a parte disponível para apenas um, à sua escolha.

Se você chegou até aqui, está bem clara a elasticidade que o testamento oferece. Procure a orientação de um advogado e seja você o próximo testador da cidade.

(Créditos das obras consultadas para os autores Conrado Paulino da Rosa, Marco Antônio Rodrigues e Rodrigo da Cunha Pereira)

Fernanda Cardoso

Advogada OAB/MG 121.305, Especialista em Direito das famílias e sucessões, Vice-presidente da Comissão de Direito das Famílias da OAB Divinópolis, E-mail: fecaroli@hotmail.com

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