
Nas últimas décadas, o mercado de trabalho brasileiro passou por intensas transformações impulsionadas pela busca de maior flexibilidade nas relações de trabalho.
Nesse contexto, o fenômeno da pejotização tornou-se cada vez mais comum. Apesar de aparentar vantagens para as partes envolvidas, essa prática esconde graves riscos, especialmente no que diz respeito à segurança previdenciária do trabalhador.
A pejotização ocorre quando um trabalhador, que deveria ser contratado sob o regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), é induzido ou compelido a constituir uma empresa para prestar serviços como se autônomo ou parceiro comercial fosse. Na prática, o vínculo de emprego permanece, mas disfarçado, afastando a aplicação dos direitos trabalhistas e previdenciários na relação.
Uma das principais consequências dessa prática é a ausência de recolhimento correto das contribuições previdenciárias. Sem a relação formal de emprego, não há o desconto da contribuição previdenciária sobre a folha de pagamento, nem a correspondente obrigação do empregador de contribuir com a parcela patronal. O trabalhador, agora formalizado como empresa, torna-se responsável por recolher sua própria contribuição ao INSS, o que, muitas vezes, é negligenciado por desconhecimento, falta de orientação ou dificuldades financeiras.
Essa ausência de contribuição regular compromete severamente o acesso a benefícios previdenciários como aposentadoria, auxílio-doença, pensão por morte e salário- maternidade. Nos momentos de necessidade — como em caso de incapacidade temporária ou permanente para o trabalho — é quando o trabalhador pejotizado descobre que não possui direito ao benefício ou que terá direito apenas a valores ínfimos por não ter formado uma base de cálculo adequada ao longo dos anos.
Além disso, a falta de contribuição impacta diretamente no tempo de carência e tempo de contribuição exigidos para a concessão dos benefícios, prolongando o período necessário para a aposentadoria e prejudicando a proteção social, direito devido a todos os trabalhadores.
Do ponto de vista jurídico, a pejotização constitui forma de fraude às leis trabalhistas e previdenciárias. A CLT, em seu artigo 9o, dispõe que serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação de seus preceitos.
Em casos comprovados de pejotização, o trabalhador pode buscar a Justiça do Trabalho para obter o reconhecimento da fraude e do vínculo empregatício e a consequente regularização dos recolhimentos previdenciários.
O cenário se agrava com a dificuldade de fiscalização e a resistência de muitos trabalhadores em denunciar a prática, seja por medo de retaliações ou pela ilusão de vantagens tributárias momentâneas. Contudo, os prejuízos a longo prazo são evidentes e profundos, atingindo inclusive o sistema previdenciário nacional, que se vê privado de importantes fontes de financiamento.
A proteção previdenciária é um dos pilares do Estado Social que visa garantir condições mínimas de dignidade humana. A pejotização irregular, ao fragilizar essa proteção, fere princípios constitucionais, como o valor social do trabalho, a dignidade da pessoa humana e a função social da previdência.
Desse modo, torna-se fundamental que os trabalhadores e empregadores estejam atentos a essa realidade. Os profissionais do Direito, especialmente da área trabalhista e previdenciária, também têm um papel essencial na orientação, prevenção e combate a práticas abusivas. A conscientização sobre a importância da contribuição previdenciária é medida indispensável para que o trabalho, além de fonte de renda, seja também fonte de segurança e amparo social.
A construção de relações de trabalho justas e transparentes passa pela valorização do trabalhador e pelo respeito ao sistema previdenciário, que é, afinal, uma conquista coletiva da sociedade em busca de maior proteção social.
Pedro Maia Prado Oliveira Campos – Advogado. Secretário da Comissão do Estagiário e Assuntos Estudantis da 48ª Subseção da OAB/MG – Divinópolis. Graduado em Direito e pós-graduando em Direito do Trabalho e Previdenciário pela PUC MG. Atua nas áreas de Direito Trabalhista e Direito Civil.