
O conceito de família está em constante evolução. A família não está mais ligada exclusivamente ao matrimônio e a consanguinidade como antes, mas sim, a um elemento pelo qual as pessoas se unem e permanecem unidas, dividindo momentos como o simples dia a dia ou uma data especial, se orientando, trocando experiências, compartilhando conquistas e fracassos, felicidades e angústias. Este elemento é o afeto. A afetividade é a base de uma família, devendo ser a referência no âmbito jurídico para determinar o que realmente é uma entidade familiar, a fim de produzir seus efeitos. Conforme se infere, o conceito de família no ordenamento jurídico brasileiro evolui na medida em que a própria sociedade evoluiu.
A afetividade tornou-se de suma importância para o desenvolvimento dos membros da família, principalmente para as crianças e adolescentes. Nesse contexto, tornou-se elemento indispensável nas modernas relações de filiação. A afetividade representa o carinho, o amor e o vínculo construído entre os membros de uma família, sendo desenvolvida por meio da convivência cotidiana. Atualmente, o critério biológico, por si só, não é suficiente para assegurar o pleno desenvolvimento familiar. Por isso, é essencial considerar também os laços afetivos, que muitas vezes se mostram mais significativos do que a própria ligação genética. Com essa nova compreensão de família, fundamentada no afeto e na convivência, surgem novas formas de constituição familiar, como a multiparentalidade, que reflete a realidade plural da sociedade contemporânea.
A multiparentalidade trata da possibilidade de coexistência dos vínculos parentais biológicos e afetivos, permitindo que tanto o genitor biológico quanto o socioafetivo possam pleitear o reconhecimento ou a manutenção da relação de parentalidade. Em relação ao genitor biológico, esse vínculo é, em regra, comprovado por meio de exame pericial, especialmente o teste de DNA. Por outro lado, o vínculo socioafetivo se caracteriza pela maneira como o filho é tratado no cotidiano, refletindo uma relação de cuidado, afeto e responsabilidade. Esse laço é evidenciado pela intenção do indivíduo de exercer a paternidade, pelo uso do sobrenome familiar e pelo reconhecimento social da relação, ou seja, pelo conhecimento público de que há entre eles uma relação de pai e filho construída com base no afeto e na convivência.
Diante das diversas transformações e avanços no âmbito do Direito de Família, tornou-se juridicamente possível que um filho possua dois ou mais pais, de maneira simultânea ou sucessiva. Nesse contexto, a multiparentalidade surge como um instrumento fundamental para o fortalecimento dos vínculos familiares, promovendo valores essenciais como a dignidade da pessoa humana, a afetividade nas relações e a solidariedade entre os membros da família.
Em diversos núcleos familiares, torna-se evidente a existência de múltiplos vínculos parentais, especialmente em famílias recompostas, nas quais o padrasto ou a madrasta frequentemente desempenham papel fundamental na criação e educação do enteado, assumindo, efetivamente, as responsabilidades decorrentes do poder familiar.
Assim, garantem-se todos os efeitos jurídicos decorrentes, assegurando o melhor interesse da criança e do adolescente, bem como a dignidade da pessoa humana de cada integrante do núcleo familiar.
O reconhecimento jurídico desses vínculos não apenas assegura o exercício de direitos, mas também legitima relações afetivas já consolidadas na vivência cotidiana, conferindo-lhes respaldo legal e segurança jurídica. A multiparentalidade, como expressão do pluralismo familiar e da centralidade da afetividade nas relações parentais, configura um avanço significativo na proteção da dignidade da pessoa humana e na concretização do princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, alinhando o Direito às transformações sociais e às novas formas de organização familiar.
RAYSSA HELENA NOGUEIRA – Advogada OAB/MG 225.893. Graduada em Direito pela Universidade de Itaúna, com atuação na área cível, especialmente em Direito de Família e Sucessões. Especialista na área e atual Diretora da Comissão de Sucessões da 48ª Subseção de Divinópolis/MG. Contato: (37) 99172-0870 | E-mail: rayssahelenaadv@gmail.com | Instagram: @raah_helenaa